27.6.14

ABSINTO E GRANADINE XIII - POMBAS



Pode ser perigoso para o indivíduo caminhar pelas ruas, refletindo. Foi o que aconteceu a ele, naquele dia, após duas doses de Absinto.

Não foram as reflexões que carregava consigo. Estava em busca de verdades, honestamente. Não desejava recolher a complexidade sempiterna dos fenômenos, rotulando-a simplesmente em nome de caos ou ordem oculta, ou qualquer esquematismo vulgar dos ébrios do botequim chamado universidade. A ordem existia. A ordem se manifestava. Apenas ele estava ciente de ser-lhe impossível abarca-la com sua insignificante figura, mas nem por isso desistira  de ao menos respirar seus vapores.

O perigo não era apenas o sentir-se tão reduzido perante essa ordem manifesta, da qual também fazia parte, por mais que isso o pusesse contrariado. Afinal, também aquela degenerescência da língua da tabuleta, em que raciocinava, era por si limitada.

Sentou-se no banco da praça, ao lado da estátua do Conde Matarazzo, ambos, banco e Conde, ornados pelas fezes brancas deixadas pelas indiferentes cloacas das pombas. Sabia que se permanecesse ali por algum tempo, também ele entraria no seleto clube ao qual pertenciam o banco da praça, a estátua do Conde e a cloaca das pombas.

Tentou inutilmente pôr ordem naquilo tudo, escrevendo com a caneta da ONG no papel reciclado da agenda da repartição. Mas então, viu que não conseguia formular sequer o que já fora formulado antes. Desistiu de verbalizar o que via e resolveu sair para caminhar sob o sol frio daquela tarde fria e ensolarada de junho. Junho tinha também suas belas tardes.

Particularmente, naquele dia doía-lhe o lado, e julgava isso consequência dos dias em razão pura desperdiçados, e também em caricaturas e máscaras. Mas a verdade era um soco na boca do estômago e uma crônica dor no lado.

Parou em frente à igreja. Persignou-se. Perdeu aproximadamente um segundo naquilo.

Ele cria, e crer era um caminho estreito e dolorido e solitário, como um estigma. A verdade que tanto desejava lhe doía, mas não se pode voltar atrás na verdade. Sua sorte era que, sendo a verdade eterna, ele era carne. Sonhava com o Espírito. A mesma verdade que o dilacerava, dava confiança para prosseguir. Nada de caos. Um segundo de eternidade, "on the rocks".

Em meio a tão altos pensamentos, foi interrompido por uma sensação. Algum objeto lhe caíra na cabeça. Pombas.



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