27.6.14

MATARAZZO

Conde Francisco Matarazzo
Conde Francisco Matarazzo. Praça Sousa Aranha. Barra Funda, São Paulo.

"Chateaubriand passou a defender com veemência que era uma injustiça do governo expropriar indistintamente empresas controladas por 'súditos do Eixo' e não fazer o mesmo com os Matarazzo, 'sabidamente comprometidos com o Fascio e, mais ainda, com o próprio Duce, com Mussolini". Ao descobrir que na Junta Comercial cada uma das Indústrias Reunidas F. Matarazzo constava como valendo apenas um cruzeiro (a moeda brasileira mudara de 'mil-réis' para 'cruzeiro'), deu um jeito de arranjar todos os balanços e publicou um artigo propondo ao presidente Getúlio Vargas que adotasse aqueles números na hora de leiloar ao público o maior império industrial brasileiro: 'Tenho aqui em meu poder os balanços do ano findo dessas grandes organizações manufatureiras. Lá estão as 286 unidades fabris do grupo Matarazzo inscritas por apenas 286 cruzeiros. O Estado, se quiser, poderá encampar e socializar, por essa soma, todo o parque Matarazzo' . E quando descobriu que o Conde estava remetendo para o exterior cerca de 2 milhões de dólares para montar uma indústria de raiom na Colômbia ('enquanto aqui estamos à míngua de capitais'), fez uma insinuação pouco sutil: 'Por crimes muito menos graves, capitães de empresa fascistas estão sendo pendurados pelo pescoço nas portas das fábricas, na Itália, sem que essa vendeta seja considerada delito de maior gravidade'.

O que Chateaubriand parecia querer sugerir como punição para o conde acabaria virando notícia, mas tendo como protagonista um parente de Francisco Matarazzo residente na Itália. No final de 1943, quando o Brasil se emocionava com a convocação dos pracinhas que iriam lutar na Europa, os jornais Associados pareciam festejar o telegrama enviado da Europa por uma agência internacional e publicado com destaque pelo Diário da Noite de São Paulo. O secretário nacional do partido fascista, Andrea Hippolito, concunhado do conde Matarazzo (as mulheres dos dois eram irmãs), que tinha vivido no Brasil e se mudara para a Itália para assumir aquele posto, fora linchado pelo povo numa praça de Milão, tendo morte imediata:

Com a morte de Benito Mussolini, ruiu por terra toda a organização fascista que há mais de vinte anos amordaçava a culta nação mediterrânea. Escancararam-se as masmorras, abriram-se os presídios e o povo italiano, de novo senhor dos seus destinos, principiou a fazer justiça com as próprias mãos, punindo os responsáveis pelos crimes cometidos durante vinte anos de cativeiro ignominioso. A polícia italiana, desde o momento em que  o Duce foi apeado do poder, tem sido impotente para sufocar as rebeliões que explodem em Milão, Turim, Florença e até mesmo em Roma. Telegrama procedente da fronteira suiíço-italiana veiculou a morte, ocorrida em circunstâncias trágicas, do Dr. Andrea Hippolito, chefe fascista de Milão, morto durante tumultos verificados naquela grande cidade peninsular. Secretário federal em Milão, o Sr. Andrea Hippolito era o líder fascista da grande cidade italiana. Sua morte repercutiu em São Paulo, pois o Dr. Andrea era, como se sabe, cunhado do conde Chiquinho Matarazzo.

A mansão dos Matarazzo, na Avenida Paulista, encheu-se de amigos e parentes que foram levar os pêsames pelo falecimento do parente vitimado por morte tão estúpida. De Porto Alegre embarcou para São Paulo monsenhor Costábile Hippolito, tio do morto, especialmente para oficiar a missa em intenção da alma do finado chefe fascista. Com os meios de comunicação obstruídos pela guerra, meses depois o conde Francisco Matarazzo Júnior quase perderia a fala ao abrir a porta de sua casa e dar de cara com Andrea Hippolito, o cunhado morto por uma multidão enfurecida em Milão. E só então os Matarazzo entenderam tudo: a notícia do linchamento divulgada pelos Associados era falsa - tinha sido redigida e publicada por ordem expressa de Assis Chateaubriand."

Chatô - O rei do Brasil - Fernando Morais, Cia das Letras, 1994, pág. 437/8.

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