27.5.15

TRISTEZA


Chegou em casa, destrancou a porta, entrou, acendeu a luz.

Os quatro últimos anos saltaram da escuridão com um brilho dolorido dos objetos inermes que se ofereciam à sua vista lancinantes, mas era no ventre que as pontadas eram sentidas na forma de engulhos, de dor e sofrimento.

Eram objetos que doíam e culpavam e eram amados.

A pequena imagem de Nossa Senhora, em seu pedestal inscrito: "Sagrado Coração de Maria", e o rosário barato, mas não menos representativo da fé que em algum lugar colocava a esperança de que o amor daria sentido àquilo tudo.

Sob tais relíquias, as fotos que se queria abençoar mostravam rostos amados e sorridentes, um dos quais aquele, sobre o qual tantos objetos falavam com eloquência, desde o chuveiro recém-instalado até a velha que matava mosquitos na casa ao lado com sua raquete elétrica.

O vidro de perfume que ela lhe dera já algum tempo antes, praticamente cheio, permanecia sobre o armário de escritório, de ferro, que fazia as vezes de cômoda. Os travesseiros, os cobertores, a letra de mulher com receitas no caderno, as plantas e os dois pequenos roedores na gaiola que o tentavam consolar pedindo comida.

Aquele retrato da mulher que amou foi tirado em um dia no qual ainda eram felizes.

Não chorou. O gosto da vida que vivera e das desventuras do espírito prendeu-se na garganta e apenas conseguiu engasgar e entristecer. Não conseguia chorar.

Era ele a causa do mal.

Jamais saberia ser possível ou não, deixar por amor.

Em algum momento conseguiria chorar.