10.6.16

EU JÁ APANHEI NA RUA, BÊBADO E DROGADO



Eu já apanhei na rua, bêbado e drogado. Levantei-me. Lançado ao chão, até os cachorros furiosos se compadeceram, aqueles cachorros de rua, que latiam violentamente, passaram a me lamber com aquelas línguas sujas.

Mas eu sempre venci as brigas. Eles bateram, eu caí. Levantei e disse que eram fracos. Bateram mais forte, na têmpora. Levantei de novo. Eles não sabiam bater. Então eu me levantei novamente. Desistiram de bater.

Com o nariz quebrado, sangrando até os olhos roxos, pus-me a saltar comemorando, como Rocky Balboa.

Rocky Balboa, Muhammad Ali e eu.

Três idiotas.


1.6.16

As CORES da PALAVRA

...Não, meu caro, acabei de consertar a latrina e, convenhamos, é um tanto desagradável até o momento em que todos os dejetos descem até a fossa. Convenhamos também que não sou tão jovem, e o ir e voltar com as ferramentas até a casinha sob chuva, com essa minha saúde, não pode fazer bem ao desenvolvimento do trabalho que, desta feita, ficou parado para me recuperar de tão insalubre tarefa. Não tenho escrito nada nas últimas semanas, premido por essa fisiologia nada poética da necessidade.

Estou lhe escrevendo esta carta sob um certo desalento que tomou conta de mim ante a solidão e um certo alheamento que têm me dominado, como um embrutecimento ou uma vulgarização do meu olhar, que jamais tive. Estou me perdendo das palavras, das imagens, imagine, é como se Van Gogh perdesse as cores...padeço de algum mal que, se não me fizer perder uma orelha, talvez faça perder algo maior com o ouro amarrado à cintura, trabalhando nessa latrina, como o nada fausto Rimbaud em suas peripécias africanas...

Não exijo que me entenda, uma vez que já não sou tão jovem, tanto para desistir como para continuar, posto então que me coloco em um impasse que me impede de decretar se é a saúde a causa da fadiga ou o cansaço senil do espírito que se aproxima, afetando as funções cognitivas e a própria memória das palavras, como a memória das cores afetaria um pintor acossado pela catarata.

Convém dizê-lo, amigo, que o ambiente circundante é rude; tampouco é estimulante, uma vez que, ao que me parece, as pobres almas todas têm que se preocupar cada qual com a sua própria latrina, que sem as latrinas teremos doenças demais, de modo que não podem ser culpadas de incompreensão - as pessoas e não as latrinas - veja, eu mesmo ando doente.

Destarte, é a presente para lhe dizer que convalesço. Não desisti, no entanto não posso trabalhar nos escritos, uma vez que tenho, para além da latrina, um trabalho na vila que me provê o sustento - há de ser muito aborrecido dever ao ferreiro e ao verdureiro -  uma vez que o sustento pela palavra tem sido impossível tão somente porque nada tem trazido de útil aos homens desta vila, que antes procuram ferros para as grevas, as panelas e os cavalos, o que tem trazido grande prosperidade aos ferreiros aliados d'El Rei.

Agradecido pelo açúcar que me enviaste, e pelos bons votos e leituras dos meus humildes trabalhos, feitos na calada da noite, faço votos de amizade, saúde e prosperidade.

Do sempre teu,

Jack.