-->
BOLETIM DE
OCORRÊNCIA
Era
o quarto boletim em sete meses. Três horas na espera. Não foi tão
ruim assim ficar na delegacia. Tinha uma cadeira forte sustentando
seus 115 quilos e, como companhia, seu pequeno, sétimo filho, a
sugar-lhe agradavelmente o peito.
Doíam-lhe as
ancas e o nariz ainda latejava. O escrivão era um espécime bem
peculiar, com sua grande verruga na testa. Se ela lesse Tchekóv o
compararia a um daqueles burocratas russos – nada fazia, nada
parecia fazer; assim mesmo conseguiu levar três horas para
atendê-la.
Não obstante,
ela não se incomodava nesse momento, uma vez que o Elvirson mamava
com vontade, hora ou outra mordiscando-lhe o peito, o que para si,
dava uma sensação agradavelmente dolorosa, que a distraía um pouco
daquela dor muito forte que emanava das costelas fraturadas.
- Severina de
Jesus Silva! – finalmente chamou o beleguim.
- Eu, sim sinhô
– levantou-se ela com a desenvoltura de um guerreiro espartano,
embora o abafado gemido lhe denunciasse a dor.
Observou-a o
escrivão, deixando escapar um breve olhar consternado, logo
substituído pela impessoalidade exigida pela mãe das leis, a
constituição, e pelos escritores russos.
- Dona Severina!
- Eu quero fazê
queixa do Juvenal!
O escrivão
empertigou-se e colocou o papel na máquina de escrever, pois o micro
quebrara mais uma vez. Durante cerca de quinze minutos, datilografou,
aproximadamente, a história da pobre jovem senhora gorda:
“(...sic)
que a declarante encontrava-se em sua residência cozinhando em fogão
à lenha para os cinco filhos, que ela tinha sete, mas um era de
peito e o outro morrera na dengue do ano próximo passado, quando o
averiguado Juvenal, seu marido, adentrou à residência na
favela à beira do córrego Uiramefodeos em estado de embriaguez. Que
o filho da declarante Carlinhos, 10 anos, ao correr para abraçar o
pai foi pelo mesmo impedido com um golpe no ventre. Que a declarante
queixou-se a Juvenal, ‘assim você mata o menino’ e o averiguado
então se enfezou, passando a desferir pontapés, vindo a declarante
a cair sobre a mesa, causando lesões corporais à declarante e a
mesa espatifando-se, onde o averiguado não teve pena, continuando a
chutar a declarante no chão(...)”
Terminado o
texto, o escrivão estendeu a mão trêmula a Severina, com a caneta
para que ela assinasse o BO.
- Mas seu dotô,
se eu assiná isso o Juvenal vai preso?
- Eu pedirei
pessoalmente ao delegado que prenda o seu marido. Hoje mesmo o safado
dorme em cana!
- Intão num vô
assiná não. Vô tentá resolvê na conversa.
E Severina se
foi, criança ao peito, toda torta. O escrivão amassou o papel,
lançando-o ao cesto, e foi até o boteco tomar uma caninha, no
intuito de mitigar a tremedeira.
Um comentário:
Google encontra Plínio Marcos. Respect!
Postar um comentário