4.3.14

ABSINTO E GRANADINE II - Dilma


DILMA


Madrugada. Ruas quase totalmente desertas. Tem um cara bêbado cantando na Brigadeiro. A Brigadeiro é a avenida que começa no viaduto D. Paulina. D. Paulina sai da R. Maria Paula e termina quando eu passo em frente à padaria Santa Tereza, daí logo avanço o Largo do João Mendes, que lá está, João Mendes, em forma de busto e, atravessando a rua de carros assassinos e assassinos a pé, chego à praça da Sé.
Mas nada disso importa, porque tem um cara bêbado cantando na Brigadeiro, à uma da manhã. E hoje, neste momento, o que importa é esse cara bêbado cantando na Brigadeiro, onde durmo em um hotel de trinta e cinco paus e agora me debruço na janela, que dá para a Brigadeiro. O cara que canta está doidão e seria o único na calçada, não fosse uma tia com uma sacola, que canta hinos da igreja para contrapor aos hinos mundanos que o cara bêbado canta na Brigadeiro.
Eu, lá da janela do hotel de trinta e cinco, penso em uma música que diz que a realidade é mais estranha do que a ficção, e cogito unir-me aos dois na cantoria, mas não me atrevo.
O que a Dilma tem com isso? Não sei.
Se não tem comigo, tem com o cara que canta na Brigadeiro, se não com ele, com o polícia cuja viatura acabou de rasgar na avenida aqui em frente, e os demais polícias que estavam com ele. Se não, tem com o ambientalista que acaba de ser assassinado, conforme dá na TV, e para cujo a polícia não deu proteção porque estava prendendo maconheiros à noite e apoiando despejos, de dia. Se Dilma nada tem com eles, deve ter com as mulheres e homens e crianças assassinados por serem fracos e inocentes nas mãos de covardes, poderosos ou não, covardes ricos e pobres, ou fundamentalistas charlatões universais e do reino de deus e o diabo na terra do sol.
O problema é que os de cujus sempre deixam de cujinhos.
Então, grito como Freud Flinstone: “Dilma, faça alguma coisa!”, e quem me responde é o Barney, e o Barney é o cara bêbado que canta na avenida Brigadeiro.
O que a Dilma tem a ver com isso? Não sei.
Alguém fala em Estado, outros dizem que a ditadura acabou, e eu sempre acabo duvidando e acendendo um cigarro e ao fim rezo alguma oração porque acabo sempre acreditando em Deus e cantarolando musiquinhas da infância que passei na Igreja Batista.
Mas o cara que canta na Brigadeiro nada tem a ver com isso.
Para ele, foda-se o que eu penso.
E Dilma? Não sei.

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