22.3.14

ABSINTO E GRANADINE VIII: INTER URINA ET FAECES NASCIMUR


Saiu do consultório do médico, perplexo, teria entendido direito o que o doutor lhe havia recomendado? As cólicas intestinais o abalavam profundamente, a ponto de tornarem embotados seus mais triviais pensamentos, impedindo-lhe o curso normal do raciocínio. Tentou tranqüilizar-se, mas, bolas, como o fazer? Já tinha produzido seus piores textos, já havia formulado suas pérolas menos preciosas nos papos com os amigos. No trabalho​, já havia expedido seus piores ofícios, assinados por superiores pouco diligentes grassando, não raro, inúmeros inconvenientes. Com as namoradas, já produzira as piores situações, principalmente quando bebia demais, e vez ou outra tivera suas piores crises de ciúmes. Já fumara os piores charutos e bebera dos piores vinhos, comera nos piores restaurantes, dormira nos piores hotéis, andara nas piores companhias, acordara com as prostitutas mais feias de cinqüenta anos que fumavam crack pela manhã, enfim, por mais que procurasse suas qualidades nas piores e mais incultas produções de toda a sua vida, aquela que o doutor lhe apontara era uma nova conquista no campo das piores coisas que já fizera.
Parou no ponto de ônibus e sentiu uma leve tontura, que o forçou a se apoiar no poste. À sua frente, o banco mercantil, com um cartaz oferecendo as melhores condições de crédito que, sabia ele, eram as piores. Sentou-se no banquinho do “Melhor Pastel de Feira” que na verdade era uma porcaria, e pediu um caldo de cana, muito provavelmente contagiado por coliformes fecais ou talvez até o Mal de Chagas. Imediatamente ao primeiro gole, uma forte pontada no ventre o fez afastar violentamente o copo, que se espatifou no chão. Desculpou-se com a coreana de avental muito sujo que o xingou em sua língua, algo que o ofendeu profundamente, escapando-lhe um espontâneo “vá-a-merda”.
Voltou ao ponto de ônibus, nova tontura afligindo. Uma moça, muito bonita por sinal, perguntou-lhe se se sentia bem, se precisava de algo, ele negou, não, tudo bem, e em seguida desfaleceu, indo pateticamente ao chão.
Abriu os olhos com a luz do hospital ofuscando-lhe a vista, uma enfermeira igual à Wilza Carla tentando acalma-lo, ele abriu um sorriso quando se lembrou das palavras do médico anunciando seu mais novo recorde: “Jamais, em toda a minha experiência clínica, eu vi um cocô pior que esse!”

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