18.3.14

ABSINTO E GRANADINE VII: HOJE



Hoje é o dia em que eu não deveria ter ido trabalhar. Hoje é um dia em que um homem respeitável não sai de casa, mas se sair, é para pedir perdão por seu silêncio. Hoje, esse tipo de homem está tentando, como todos os homens e mulheres. Seu silêncio quer esconder a confusão, como todos os silêncios.
Hoje, este homem deve pedir perdão pela abominável idéia de sair de casa. Hoje, este homem deve pedir perdão por envolver o mundo em sua idiossincrática cadeia de idéias disparatadas sobre a vida.
Hoje, este respeitável homem limpa sua casa, suas roupas e seu corpo, porque, por pior que ele seja, não pode viver na imundície.
Hoje é o dia, o dia em que o homem foi, fez o que não quis, por um punhado de dólares.
Por um pequeno punhado de dinheiro, o qual gastou todo, com asco de si mesmo, em um bar; após garantir sua pequena monta, este homem passou algumas horas com os piores tipos de perdedores humanos e com eles gastou tudo; no absurdo de sua vida pôde ver, não sem certo orgulho, vidas mais absurdas que a sua.
No centro da grande cidade chamada Lagarta bebeu até perder sua lucidez, sua memória e, por pouco, qualquer resquício de dignidade. Um drinque no inferno, os demônios esvoaçantes demonstravam a este pequeno fauno o porquê de não usarem roupas brancas, que exibem manchas da sujeira fácil.
A este pequeno ser mitológico foi negado, felizmente, qualquer prazer com os demônios, que recusaram seu convite para irem até a minúscula casa que habita, onde ainda há Deus, embora Deus esteja velho e debilitado, e sua voz muitas vezes não seja ouvida.
Nessas, como em outras eventualidades, a este pequeno homem ainda é permitida a companhia dos anjos que, em vão, clamam encarecidamente: não saia de casa.

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