7.8.14

COZINHANDO MACARRÃO





A água fervia. Ele tinha arrumado algum macarrão. Estava sem dinheiro e queria fumar um cigarro. Como não tinha muita coragem de pedir, recolheu algumas guimbas do cinzeiro em frente à repartição. Com o tabaco da guimba e papel de pão, enrolou vinte cigarros e enfiou na caixinha dos que tinham acabado.

Comeu o macarrão sem sal. Sua timidez não permitia bater à porta do vizinho para pedir. O macarrão estava bom, visto que tinha fome. Para ele, como para o escritor, dois e dois serem quatro era também uma insolência insuportável, e ali estava ele desempenhando o papel de mujique tropical.

O mujique dos livros russos era reincidentemente insuportável em sua autopiedade, ele próprio era insuportável em seu papel de mujique tropical; não merecia sequer o adjetivo de patético. Procurava estar só, consciente e dolorosamente. Ele não merecia piedade.

Ficou com raiva de ter dado aqueles dois reais para a velha pedinte; após alguns segundos, arrependeu-se da raiva. Não teria dado aos dois reais melhor destino. O cigarro paraguaio que pudesse ter comprado, já teria fumado a essa altura do campeonato.

Lembrou-se de quando tentara se prostituir, e envergonhou-se por ter se prostituído e não haver recebido o pagamento. Por isso, naquela hora, não bateu à porta do vizinho.

Nesse momento não havia Sônia alguma a quem quisesse pedir perdão. Ele jamais fora Raskólnikov e não matara nenhuma velha rica. Dava socos no próprio rosto e na parede, o que lhe rendia fama na ortopedia do hospital público, pelas fraturas, e risos entre os jovens médicos.

Devia algo mais a si mesmo do que guimbas de cigarro e notas amassadas. Enquanto a mão inchava do último soco, adormeceu.

No dia seguinte, foi chamado de volta ao velho emprego.

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