27.10.16
NASCI PRA ALGO
Eu nasci para dar milho aos frangos e às galinhas. Para recolher os ovos e consertar a cerca. Todos os dias vejo pessoas dizendo que gostariam de viver no mato. Mentem.
Eu nasci para ler um livro à luz de velas. Para escrever a lápis. Para arar a terra e acender o fogo de lenha. Todos os dias vejo pessoas dizendo que gostariam de viver no mato. Mentem.
Eu nasci para ver os cachorros a proteger a casa. Morrerem de picada de cobra. Eu nasci para matar a cobra e beber a água do regato.
Eu nasci para pescar e mascar fumo. Para rezar Pai Nosso e Nossa Senhora. Para consertar uma caminhonete velha que tenho há vinte anos.
Eu nasci para trocar uma galinha por um punhado de café.
Eu nasci para ver o milho crescer.
Eu nasci para a terra e para a água. Para crer em Deus e pedir bênção. Para envelhecer com a pele enrugada de sol.
Quem sabe assim, ao fim do dia, pudesse acender um lampião e ler um livro sentado em uma cadeira que eu mesmo fiz, sob a luz de um lampião cuja resina troquei por um pouco de fumo que eu mesmo plantei, e acender um cachimbo para ler um livro em paz.
20.10.16
O MORDOMO DE SI DURANTE O CHÁ DAS CINCO
- Quer café, senhor?
- Sim, obrigado.
Assim o homem se oferecia a si mesmo o café, e ele mesmo aceitava.
- Ainda temos café.
- Graças a Deus.
Assim o homem falava sozinho nesse diálogo.
- Sabe você, estou tomando um novo remédio.
- Mas falar isso para mim é tautologia...não me impressiono. Estou tomando esse remédio também.
-Mais açúcar?
- Adoçante, obrigado.
- Está chorando?
- Não, é apenas terçol.
...
- Quais as novas?
-Sabe, andam dizendo que estou doente, mas é apenas fastio, falta de significado.
- Também anda bebendo demais...
- Sim, mas não todos os dias.
...
- Gosto muito de poesia...
- Acho uma merda. Coisa de desocupados.
- Você está doente.
- Pode ser. Mas você não é médico. E nem um médico com seu pedaço de papel pode dizer sobre doenças que não vê. Talvez seja apenas o declínio natural da vida.
...
- Por que não pede ajuda?
- Porque não preciso.
- Mas você me parece doente...
- Você também. São esses remédios que anda tomando.
- O remédio é bom.
- Ótimo. Você não faltava ao trabalho antes deles.
- Tiram a ansiedade,
- Prefiro o pai-nosso.
...
- Disseram que você é muito grosseiro.
- Sou mesmo.
- Você poderia ser mais suave.
- Você poderia não encher o saco.
...
- Disseram que você é escritor...
- Não sou.
- Eu li o que você escreveu. É bom.
- Grande coisa. Eu trabalho na fábrica de tijolos. Escritor é profissão. Eu nunca recebi um centavo por isso. Então não sou escritor.
- Mas você escreve bem.
- Que bom que gosta. Se precisar de tijolos, compre comigo.
...
- Você está gravemente enfermo.
- E você está gravemente idiota.
- Não precisa ofender.
- Você começou.
...
- Bom, está na hora de ir.
- Leve o seu Chico Buarque.
- Mas eu trouxe pra você ouvir.
- Não gosto. Aliás, não gosto de você.
...
- Tenha um bom dia, estou indo. Precisando me fale.
- Preciso que você vá embora.
- Você está doente. Deve ver um médico.
- Você é medico?
- Não.
- Então vá embora, não encha o saco e feche a porta. Da próxima vez que vier, faça o favor de avisar.
18.10.16
ISTO NÃO É POESIA
Você foi injusto para comigo. Eu tergiversei.
Escrevi mal para que mal lido fosse.
Então me cansei de você e fui à porta do Playcenter
Mas o Playcenter não existia mais.
E eu com o livro do Roger Caillois à mão.
Ou seja, tudo deu errado.
Você achou que eu escrevia mal e repetia palavras
Mas você nada faz.
Não escreve.
Não fala.
Não repete.
Não faz a menor idéia de onde está.
Não tem opinião sobre a ortografia antiga com relação à nova.
E ainda diz que esta poesia é ruim.
Mas isto não é poesia.
O troco em balas
Paulo Freire educador.
Professor se acha profeta
E do mundo educador
Dá preguiça do soneto
Do soneto dá-me dor
Vão chupar meu esqueleto
E peguem o troco em balas.
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