26.4.17

O SONHADOR E O PRÁTICO




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Às vezes me pego sonhando ao lado do prático. Sonhando, é claro, imaginando, assim como imaginou aquele que construiu a fórmula que explicou a construção das pirâmides sem fórmula construída.

O mais assustador é que o sonhador e o prático morrem, um e outro, apesar de se oporem numa dialética que não se cala, geração após geração de sonhadores e práticos.

Mas ambos os grupos, sonhadores e práticos, digladiam-se numa interessante dialética cuja síntese nos remete sempre à mesma conclusão que têm os vermes por sob a terra.

Lá vai o sonhador com sua transcendência e o prático com sua imanência, ambos certos, ambos convictos, gladiadores de verdades sempiternas e executores de obras no campo do espírito e da matéria que dominam com maestria diante de olhos  leigos. Os sonhadores criam as guerras e os práticos as armas e os leigos aplaudem e lutam as guerras inventadas pelo sonhador com as armas desenvolvidas pelo prático.

Quisera eu, sonhador de campos de trigo, oferecer adjetivos aos fatos por si muito bem explicados, mas adjetivos já são também pela sua própria natureza insubstanciados. Pratiquemos os campos de trigos para alimentar os leigos que lutam a guerra do sonhador com as armas do prático.

Assim a humanidade se orgulha das pirâmides do Egito, como se tivesse um direito natural em sua criação, sem haver desenhado uma linha ou colocado uma pedra em algo feito por sonhadores e práticos há milênios extintos.

Se enciclopédia houvesse, caberia no capítulo das inutilidades em geral.

E daríamos razão ao cachorro tolerado pela gerência.





24.4.17

SAUDADE

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Sendo concêntrica quando expandida,
sendo o Infinito quando em retração,
Saudade, sempre queres dar guarida
porém jamais outorga solução.

Isso nos mostra a cada passo a Vida.
Basta que alguém nos falte, pois se então
queres suprir a ausência desmedida
com tua inconsútil vastidão

ansiando por secar o nosso pranto
com todos os teus préstimos enxutos,
chegas sempre atrasada em minutos.

Assim, no drama da paixão, portanto,
És como Arimatéia ou Nicodêmus:
nos vem salvar depois que já morremos.

José Geraldo Vieira. Impressões & Expressões. Arcádia, 2016. P. 301.

17.4.17

E NOS FEZ PENSAR


Eu queria saber o que nos faz errar de tanto querer acertar.
Deve ser uma chicotada de Deus, para nos colocar em nosso lugar.
Apenas um lembrete: "ei, que te fazes pensar que possas ser perfeito, sendo humano?"
Se não podemos estar em todos os lugares, se não podemos salvar quem deva ser salvo, nem a nós mesmos?
Apenas correr e chegar atrasado.
Às vezes, apenas olhar e sentir-se impotente.
Que poderia ser feito diante de uma embolia?
Em frente a uma alma que expira?
Por que Deus nos dá e Deus nos leva?
Sim, todos estão sendo esforçados e nos esforçamos para que aqueles que  amamos não desanimem.
E quanto de saúde temos e nos custa porque amamos, amamos e amamos?
E estamos sempre no cheque especial da saúde porque cativamos e àqueles que nos amam.
Quem conheceria o outro verdadeiramente como a verdadeira centelha de Deus?
Por que somos brutalmente castigados pela própria natureza, que nos dá vísceras, nos envelhece, nos subtrai enquanto ainda cremos na alma, no espírito e na verdade transcendente?
Ah, se fui forte para chegar até aqui por um sorriso.
Um sorriso de criança, um sorriso de velho.
Um sorriso com dentes, sem dentes, aí está a centelha!
Oferecer um lenço para enxugar a lágrima. Um regaço, se é que um regaço há, que nada há que não possa ser colhido pela inexistência.
Quando se sabe que amar é deixar ser e nos atrapalhamos em bricabraques que também terminarão conosco sem relevância.
Diante disso, a nenhuma conclusão se chega.
E acordamos em acordar porque cada dia é um contrato com a vida a ser cumprido.
Enfiamos nossa vergonha e nosso erro numa sacola que morrerá conosco.