31.7.05

MAIS FÁBULAS

Para quem gosta de figuras. Não há portos. Não há casas de tolerância. Mais que tudo, há um grande oceano, e o oceano das idéias, que nos trazem alguma civilidade. O oceano das idéias funde-se ao oceano físico, de tal forma que os une alguma matéria cuja natureza não é conhecida, como a própria natureza da matéria física.

Há um grande segredo, é certo, um quebra-cabeças infinito onde cada pensante é uma peça, mas as peças jamais chegam a encaixar-se, para o bem do universo. A grande separação se mantém equilibrada, mas não se sabe quando, e novamente a fusão poderá ocorrer.

Isso é bricabraque, é óbvio, visto que a finalidade de tudo é não levar ao susto, o que é impossível. O próprio equilíbrio se traduz em precariedade, por ter que se manter livre de distúrbios. Uma flecha pode nos ser lançada a qualquer momento, senhores, tempos de paz ou tempos de guerra, e não é isso que nossos sábios pastores nos vêm ensinando há milênios?

Examinai ainda a sua moral, homens "livres", examinai a contento e verão que, nesse campo, não se avançou em toda a civilização quanto em outros. Mas para quê falar de moral? Tenho um oceano, e o oceano é o que resta de mais alta simplificação. E se isso vos parece prolixo e obscuro senhores, é porque o show já terminou.

FÁBULAS DO GRANDE NADA

Hoje querem homens para que não pensem. Não, esqueça o trabalho. Homens, como qualquer produto, valem dinheiro. Homens com sonhos, uma piada. Esqueçam os sonhos. Até porque os homens são adestrados para que não lidem muito bem com os sonhos.

Há um pouco de amargor na minha boca. Devem ser as cervejas que não paro de tomar aqui no litoral...É o Grande Nada, cheio de solidão para partilhar com quem quer que seja. O sol a pino e um ciber em uma avenida chamada Anchieta, como muitas outras, e tudo parece bem mais simplificado. Talvez uma caricatura de infância. A quem importa?

Nada seria tão interessante se eu não estivesse aqui também para falar algo sobre Deus. Há em alguma terra o Deus dos perdidos, os perdidos que vaguearam e que povoaram, os perdidos que desbravaram corajosamente e em sua busca não raro contemplaram com algum ânimo a cara da morte.

Artistas, vagabundos, aventureiros, destemidos, tolos, perdedores, mas há algo a ostentar ante um mundo cheio de medo.

Mas estão todos cheios de pressa, para que tenham medo, e em algum lugar está a minha coragem e a minha pressa; muitos cometem temeridades, e agora uso apenas meu corpo, e os dedos deslizam o deslizar simétrico da modernidade sobre teclados vickings como machados cortando muitas cabeças inimigas, talvez cabeças romanas, quem o sabe, mas há sempre uma mulher, uma mulher de algum lugar da sua infância e talvez você seja agora um simulacro de uma caricatura de infância, mas a mulher é muito bela para que você desvie o olhar e a infância, muito breve.

Ora, companheiro, você parece...melancólico?

7.7.05

O QUARTO

Goteja o tempo sem sentido. Ah, mas é tão belo quando não há mais o sentido, tudo se torna beleza, quando não se há mais o que fazer, onde ir. O quarto é belo, a velha mesa é bela, a parede rosa é bela e degradada, o prédio antigo é decadente, é belo, a cama redonda onde prostitutas e travestis costumam ganhar a vida. O quarto de vinte pratas, talvez o mais barato da cidade. O quarto da nove de julho, e o tempo pingando, e o cidadão lá, sozinho com os dedos na ferida da realidade, ele se conforta, não goza na ferida, mas, se é que se saiba que diabos seja a felicidade, realmente se é feliz, uma felicidade vazia e vã, uma felicidade lúcida, sem qualquer ingrediente místico de contrição. O cidadão ali, na cama, sozinho, olhando a lâmpada, gozando seu nirvana laico, como se vivesse na década de 20, como se não houvesse uma civilização acelerando na rua os modernos automóveis, a vida se dá numa pacata vila da inexistência, como se o mundo não corresse para se consumir, produzir e novamente se consumir, como se aquele quarto e aquela noite fossem eternos, ah, talvez ele seja o único humano ainda vivo!