7.7.05

O QUARTO

Goteja o tempo sem sentido. Ah, mas é tão belo quando não há mais o sentido, tudo se torna beleza, quando não se há mais o que fazer, onde ir. O quarto é belo, a velha mesa é bela, a parede rosa é bela e degradada, o prédio antigo é decadente, é belo, a cama redonda onde prostitutas e travestis costumam ganhar a vida. O quarto de vinte pratas, talvez o mais barato da cidade. O quarto da nove de julho, e o tempo pingando, e o cidadão lá, sozinho com os dedos na ferida da realidade, ele se conforta, não goza na ferida, mas, se é que se saiba que diabos seja a felicidade, realmente se é feliz, uma felicidade vazia e vã, uma felicidade lúcida, sem qualquer ingrediente místico de contrição. O cidadão ali, na cama, sozinho, olhando a lâmpada, gozando seu nirvana laico, como se vivesse na década de 20, como se não houvesse uma civilização acelerando na rua os modernos automóveis, a vida se dá numa pacata vila da inexistência, como se o mundo não corresse para se consumir, produzir e novamente se consumir, como se aquele quarto e aquela noite fossem eternos, ah, talvez ele seja o único humano ainda vivo!

Um comentário:

Anônimo disse...

Li esse poema diversas vezes...a cada linha ia imaginando o personagem, o quarto, o sentimento...e por alguns instantes, me senti na alma do mesmo.