Cats
in the cradle. Crises de ansiedade. São dias difíceis. Observo pela
janela a superficialidade. Lá está a creche, que dá de frente para
meu novo quarto alugado. Não mais hotéis baratos. Hora do recreio,
o desfile anárquico das crianças e seus sonhos estertorados, cuja
maioria jamais se realizará.
Preso à cadeira,
reflito a precariedade pueril. Nunca resolvi ser artista,
simplesmente não tive escolha. Ao diabo com o livre arbítrio! Como
homem de ação, sou menos que medíocre. Como artista, eu me
respeito, mas muito pouco. Uma discreta náusea me ataca. É só o
estômago. Não preciso de ninguém para me mostrar como sou pequeno,
tal e qual os sonhos de eternidade do homem, físicos e metafísicos.
Eu cedo à
ansiedade. Não vou trabalhar. No serviço, especulações. Desde as
dez da manhã estava pronto, banho tomado, roupa vestida, perfumado,
dentes escovados, sentado na cadeira. Às duas da tarde, desisti.
Melhor não ter ido. Especular-se-ia mais sobre meu estado. Já estou
acostumado. Tentei muitas pílulas. Quetiapina. Diazepam, na veia.
Cedi a cessão nada nobre, mas e daí?
Não fossem os
cigarros, nem sairia de casa. Suo perante a porta da rua, suo frio
perante a porta que me leva ao mundo. A abstinência me inocula
coragem, atravesso a rua correndo, do outro lado está o bar. Pego
dois maços, pago, e retorno no mesmo passo em que fui, sento-me, na
cadeira, para não mais levantar, ao menos hoje. Olho pela janela. As
crianças já se foram, como inúmeras gerações delas. Não existe
livre arbítrio. Implicaria em poder decidir não morrer.
O pátio está
vazio. Fecho a cortina. A única infância, aqui e agora, é a das
minhas lembranças. Adoro-te, morte, desde que sejas minha. Ao menos
engraxei os sapatos.
Um comentário:
Ainda bem que recobrou o livre-arbítrio, querido Jack. Se engraxou os sapatos é porque estava melhor.
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