28.7.14

O GRANDE NINGUÉM ILUMINISTA



De como o Grande Ninguém encontrou a Deus.

É que ele tinha ido morar ali há algum tempo. Precisava achar um bar onde pudesse ficar só. Impossível. A praça era cheia de teatros. Já ouvira falar de fauna humana, mas aquilo era a maior biodiversidade que já tinha visto.

Sentou-se à mesa colocada na calçada. Naquele tempo a prefeita queria tirar as mesas da calçada.

Com os meses passando e as mesas dentro e fora, foi percebendo que conseguira seu intento e, inobstante a multidão de gêneros e espécies em trânsito, viu-se sozinho e treinou obstinadamente algo em que era inábil: a contemplação. Se, como dizia Goethe, o talento se aprimora na solidão e o caráter na agitação do mundo, então ele estaria ali aprimorando tudo.

Pegou o jornal colocado à mesa. Abriu na tirinha do Hagar, em que um cara está dando socos na própria cara, e o outro pergunta: "que é isso?". Aí o cara responde: "o homem tem que vencer primeiro a si mesmo".

É que o Grande Ninguém é também idiota.

De como Deus aparece

Deus não apareceu. Ele estava lá o tempo todo:

- Homem de pouca fé!

Ah, mas ele não era ninguém. Era o Grande Ninguém. E Deus gostou dele. Não muito.

Um pouco do Grande Ninguém

O Grande Ninguém era ambíguo, como todos os que tentavam disfarçar a ambiguidade. Mas Deus perdoava. E o Grande Ninguém dava voltas para retornar a si mesmo, idiota que era, e Deus ria, e o Grande Ninguém ria, e depois chorava, inconsolável.

O Grande Ninguém era iluminista. Hoje é apenas um idiota. E não vê muita diferença. Deus não é uma tábua de salvação; uma tábua de salvação pode ser um jacaré em forma de tábua de salvação: se Deus é salvação, não pode ser tábua. Nem tudo é tábua.

Dessa forma, o Grande Ninguém fazia Deus rolar de rir com sua filosofia de Quincas Borba. E assim o puro humanismo afundava para além do homem. Humanismo 'on the rocks' ?

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