7.7.14

O GRANDE NINGUÉM: PINTOR E ESCRITOR



E eu, o grande ninguém que caminhava para lugar nenhum, cabelos soprados pelos fortes ventos, nunca épicos, nunca trágicos, mas dramáticos como o seu tempo, suplicava por um Zéfiro que me desobscurecesse a vista. Meus cabelos e os fortes ventos faziam muito drama.

E esse drama era uma espécie de emulação do meu tempo. A concorrência na dramatização era demasiada, e eu pensava honestamente em desistir de toda essa porcaria.

Porque se drama havia, ele se repetia como farsa, e a mim restava refugiar-me no silêncio da pura contemplação. Mas ai de quem decide isso morando no centro da grande Lagarta chamada Cidade, e precisa lá buscar seus caraminguás fugidios: esse não está pronto para a contemplação e para a fome. Está ali para desmascarar.

Então arrumei um emprego em uma loja de sapatos, e ali mesmo comecei a desmascarar tudo: em quinze dias eu não vendera sequer um par, e me esmerava em proclamar os defeitos do produto que, ademais, era mesmo uma porcaria.

Depois, não vendi nenhuma assinatura de jornal. "Não, senhora, não informam de forma isenta". "De direita, de esquerda, que importa, todos mentem, uns mais, outros menos, mas mentem!". "Não, meu senhor, jornais não oferecem espírito crítico, nem as universidades!".

Mais uma vez fui demitido, nunca desmentido. E, obviamente, não logrei arrumar emprego em nenhuma universidade. No dia da última demissão, eu me cansei de mim e fui ao bar.

E sentei-me com Deusídio, o pintor, e Deusdete, o escritor, no bar ao lado do prédio conhecido como "A Grande Minhoca Modernista". Ali, no bloco F, sempre se reunia a "Cooperativa dos Analfabetos Funcionais", que eu gostava de frequentar, mas onde todos me olhavam estranho, como se eu fosse um alienígena, não porque eu não era analfabeto, mas porque eu não era funcional.

Dedê e Dedé me chamaram para sentar. Eu realmente não tinha dinheiro algum para beber naquele dia. Então eles mandaram-me calar a boca e me sentar. Sentei-me.

- Ei, Jack, você está sem trabalho, de novo?

- Não, velho, eu sempre tenho trabalho, o que não tenho é dinheiro.

Encheram o meu copo de cerveja. Quis dizer que estava sendo suportado por Deus, mas sabia que eles não queriam nem saber de falar em seu pai. Resolvi mudar de assunto:

- E a arte que estão fazendo, estão conseguindo algum dinheiro?

- Não, não, porque sabemos fazer o produto, a arte, mas não sabemos fazer o marketing - Dedê respondeu com uma resoluta cara de ressentimento. - sei que pareço ressentido, mas não confiamos nesses abutres. Dedé continua consertando televisores e eu pintando uns retratos.

Nos abraçamos e nos despedimos. Eu, o escritor e o pintor. Algum de nós tinha alguma consciência. Íamos a lugar nenhum, imediatamente. Não éramos iguais. Nem muito diferentes.

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