20.11.14

O GRANDE NINGUÉM E A SOLIDÃO DAS ESFERAS



Hoje é o dia da consciência de alguém. Eu não sou alguém cuja consciência tenha dia. Embora hoje não seja o dia da minha consciência, ela se recusa a espairecer, irrefletida.

Enquanto reflito sobre o que seja a tal da consciência, se ela está na pele ou na mente, ouço o Tucuruvi tremer.

Um dia serei um escritor sem estilo, por enquanto sou apenas o Grande Ninguém, que caminha para lugar nenhum. Sim, creio que transcenderei.

Mas não é sobre isso que vou contar, porque o Tucuruvi está tremendo, e o Tucuruvi hoje é a casa do Grande Ninguém, que às vezes é chamado Grande Nada. Esse ruído, que penetra os sentidos, faz-me despertar de pensamentos, que refletem sobre a consciência, para chegar à janela, não como o poeta que lá vê o cego e a guitarra, mas como curioso por desvendar o ruído que se aproximava.

Fiquei como o cego, sem ver, mas outros sentidos me informaram: é um helicóptero.

Parecia que explodiria dentro de casa, e uma vez que eu tinha uma casa e gostava muito dela, temi mais pela casa que na verdade era alugada.

Não explodiu, passou. O helicóptero se foi, ruidosamente como a velha cigana ia, eu me lembro, a cigana que era mãe dos comunistas, e na sequência do helicóptero, os aviões passaram a taxiar pelo Tucuruvi e eu me pus a não esquecer do assunto e a teorizar (pois que tenho muita prática na teoria) sobre as motivações de cada um desses homens que deslizavam sobre a minha cabeça em máquinas de levar homens do nada a lugar nenhum, igualando sem revolução o destino dos que estão no solo ao dos que deste se elevam, de forma precária, para nele finalmente se aconchegarem no aconchego eterno, transcendendo ao pó.

Sei que parece complicado, mas faz sentido, e protesto por usar o sentido, pois há vários caminhos para o lugar-nenhum, e ninguém pode usar de inocência para negar: aqui, importam os meios.

O helicóptero (e seu homem, o piloto) poderia estar fazendo um transporte de urgência de algum acidentado, levando drogas ou dinheiro da máfia de Caracas, poderia estar com pressa para semear ou ceifar.

Que importava? No ar, o piloto é escravo da máquina.

Importava a solidão e  perfeição das esferas.

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