26.5.17

CONFESSIONAL DO DIA

Empertigado. Sim, muito seguro de si, encostado no muro, senhor da vida, senhor do destino.
Lembra até o filho de Peleu com aqueles calcanhares sempre ralados, antes, de correr na terra, agora de andar no asfalto.

Um olho velho e torto e congelado mira sua segurança com inveja melíflua, pegajosa, nauseante. Ele retribui o olhar. A velha parca desvia seus olhos tortos invejosos e cobiçosos para vários lugares ao mesmo tempo e abaixa a cabeça, apanhada em seu ato.

Ele pensa com segurança. Vê-se no seu olhar dirigido a nada e a ninguém as mais altas aspirações do heroísmo, hoje a Espanha, amanhã Cartago, ele é um dominador, um conquistador.

Ele não roubou a mulher do átrida Menelau, mas ei-lo morrendo por ela, sob as setas dos milhares de meninos Páris exaustivamente treinados para flechar, por amor de uma Helena.

O que é um calcanhar, para quem tem uma mira primorosa?

Aquiles dos pés ligeiros.

O ônibus estaciona e ele embarca para mais uma entrevista de emprego. Não sem antes dar passagem à velha.

20.5.17

O VÓRTICE DO MUNDO DEVORA A MÉTRICA



Vórtice de mundo que me encerra,
Movimento voraz com que me cinge,
De vida e morte, como esfinge.
A sua boca se descerra

Diuturnamente em uma proposta
Cuja resposta, saber não dera.
Quer o segredo das esferas,
Das primeira causas, a resposta.

Do Amor, do Logos, ai de mim,
Que amo e penso, e me devora
Em meus esforços, mesmo assim,

O turbilhão que se arvora
Em bem? No mal? Nem isso, e enfim,
Pereço e ele me devora.

Oh, turbilhão, em que me encolho!
Ainda assim, nos transcendentes
Amor e Logos eu me apoio
Para viver, não pra vencer-te.

14.5.17

SOBRE OS BALÕES

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Sabe, sobre os balões?
Eles sobem e no dia de sol
Olhamos o céu e nos ofusca a vista.

Nada é sobre balões
E sim sobre o céu e sobre o sol e sobre a vista.
E sobre a permanência e a eternidade.

Nada sabemos sobre o sol e o céu,
A não ser que permanecerão sobre o balão e sobre nossa vista...

Primeiro acabará o balão, depois a nossa vista
E quem sabe até o céu e o sol se acabarão,
Mas nada saberemos sobre isso,
Porque quando acabarem-se o céu e o sol
Já não existirão nem o balão nem nossa vista.

É como o sábio Sócrates que amou Xantipa
É como na quadrilha do sábio Drummond,
E nada se falou entre Sócrates e Drummond
Acerca do que sente Xantipa, Teresa, Raimundo, Joaquim
E Lili que não amava ninguém e casou com J. Pinto Fernandes.

Quem raios pode dizer que Lili não amava ninguém?

Eu quero saber se Xantipa acordou bem, se está com dor, se está feliz.
Eu quero andar de mãos dadas com Xantipa na sorveteria até me esquecer da maiêutica.
Eu quero dizer a Xantipa o quanto a amo e beijá-la quando acordar com os cabelos embaraçados, contra todos os filósofos e poetas que dizem que o amor é uma quimera.

Na verdade eu quero que Drummond e Sócrates às vezes vão para o inferno, porque estou mais é querendo saber de Xantipa, Lili e J. Pinto Fernandes.

Não se dê ao homem ares de sabedoria, que qualquer um é capaz de escrever poemas modernistas.
Não somos eternidade aqui, apenas permanência. Eternidade apenas no ato de amar
Em nossa permanência.
Até que o nosso amor se torne em eternidade, como é para Deus, eterno, e não para nós, permanências.

Aí estão a lembrança, a memória e a saudade. É por isso que sabemos ainda quem é Xantipa, quem é Lili, e quem é J. Pinto Fernandes

Tudo isso para dizer que se é capaz de amar.

Tudo isso para dizer que sou capaz de amar e ter medo e capaz de querer cuidar até o aborrecimento.

Porque não se perde algo duas vezes, se esse algo é eterno.

E sobre a permanência e a eternidade, a eternidade é o amor. A permanência, o balão.


9.5.17

UMA VEZ QUE ESTEJA CLARO

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Os sentidos obscurecem a verdade. A intuição a capacita um pouco, mas ainda de forma turva e opaca.
Admira-me os cientistas serem tão convictos.
Admira-me os poetas serem tão insensatos.
Admira-me acordar e dizer: "não há tédio", e nem sempre o que há é melhor do que o tédio que não há.

Admira-me a rima e a aliteração, que fazem-me rir um riso meio forçado como uma vírgula fora do lugar que muda todo o sentido e direção. A maior parte do que se diz nada quer dizer.

Fortes são os cheios de sentido que fenecem bravamente ante o olhar atônito dos que fenecerão em seguida sem tanta bravura.

E eu, quem sou? Certamente o que fenece. Eu quis ser Aquiles, depois quis ser Heitor, e agora me contento em ser o velho Príamo, mas daqui a pouco terei de me contentar em ser Criseida.

Mas eu queria ser mesmo o velho Nestor.

Aquiles, Heitor, Príamo, Criseida, Nestor. Todos feneceram.

Uma vez que esteja claro, começa a confusão.

Foi como quando inventaram a poesia sem rima, a arte sem beleza, a verdade sem imaginação. O mundo mergulhado em barbárie e loucura, porque se sentiram entediadas as almas agonizantes, mas na verdade era agonia o que chamavam de tédio.

E agora talvez tudo seja agonia; talvez ainda haja amor.

7.5.17

LAÇO

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Não é a solidão que nos assusta.
Mansarda que somos, aos outros dedicamos nossas qualidades.
Dividimos em sim e não coisas improváveis, obscuras e desconhecidas com aquele ar de sabido, estelionatários da verdade que somos.
Que é um homem só? Um santo?
Qual!
Mesmo aquele que se retira com o silício marcando-lhe a pele com devoção, espera aprovação.
Seja de Deus ou dos santos.
E os devotos do nada esperam aprovação do super-homem nietzscheano ridículo a ponderar sobre sua loucura sifilítica?
Batendo massa na obra, batendo bolo na colher de pau, estudando com olhos lassos como digno fosse qualquer coisa que ama um poema modernista sem rimas?
Qual poema?
Qual?!!
Sentirmo-nos sábios por sabermos algo que sabemos que vai acontecer e que acontece de qualquer jeito, sejamos sábios ou imbecis?
Saber vai mudar as coisas?
Será isto poesia?
Não.
Isto não é.