7.12.15

O DESMONTE PELO SUBJETIVISMO



Não quero dar uma opinião pessoal.
Sou obrigado a isso, porque eu sou pessoa.

Dito isso, não quero dar uma opinião pessoal.

A natureza das coisas é objetiva, e os sujeitos incontáveis, e as palavras, ditas e escritas.

E o sujeito é desmontado quando único objeto de si mesmo.

A velha natureza das coisas.

A alma amaciada pela natureza das coisas.

"Deus morreu! Meu Deus!"

Quantos Karamazov ainda existirão até aquele dia em que eu resolvi não matar a barata, e não me digam que a barata não é criatura.

Afinal Kafka, Joseph K., ou quem lá o seja, jamais se transformaram em barata.

As palavras devem fazer sentido.

Aqui elas fazem. Nem sempre fizeram, mas nunca desistiram.

Ainda.

29.11.15

O VALOR DA IRRELEVÂNCIA, OU: O alemão ficou louco. Drummond não.


Coloquei os CDs para tocar. Nessa época ainda haviam.

Algumas vozes arranhavam os ouvidos como motosserras melódicas. Outras soavam leves como o pó da fada Sininho.

O mundo já errava pós-moderno.

Parece que foi nos anos noventa que o povo desistiu de desistir, porque quem não desistira de desistir já tinha morrido com Jim Jones.

Agora os jovens talvez tentem ser mais inteligentes do que os velhos, seus pais, e do que as crianças, pais dos homens.

Não me interpretem mal, não me interpretem.

Eu quis ser um homem doce como um Halls de cereja, não um galeto no frigorífico.

Mas isso são metafísicas, e um Karamazov alemão de bigodes disse que as metafísicas não existem.

Tudo bem. O alemão ficou louco. Drummond não.

Na minha irrelevância, Deus vê. Eu me persigno, contrito.

Assim deve ser.

23.11.15

SULTÃO SEM SWING


Estava então em um looping perfeito.
Nada perfeito.
Seria então eu doente ao ver que tudo se perfaz da forma mais difícil?
Por quê não aceitar que as coisas são exatamente assim?
Por quê caminhar então pelas cordas bambas, sem a alegria do artista?
Seria doença aquilo apenas por havê-lo assim ditado um homem morto, como todos os homens mortos?
Fui tantas vezes da Califórnia ao México buscar drogas com homens doentes, embora fossem eles também doces e amargurados?
Voltar e voltar e voltar a mim mesmo, mas isso não é imanência é apenas vício.
Porque Jesus e Maria sempre estavam me salvando com amor de pai e de mãe e de filho e do Espírito se pudesse me perdoar?
E que no máximo sem ritmo e apenas por odiar o ritmo por ser eu o ritmo e às vezes querer fugir dele?
Mas estou pondo no rádio sempre a mesma música, e não é um soneto, mas é.
Não foi então por falta de esforço que permaneci na mesma posição.
E que desde a infância me encantava com aquele sorriso dizendo "isso não é o que chamam 'rock and roll'".
Eu sou o sultão, sem swing.

MARONIS


O valoroso Enéas

Dispara ignóbil vulgo, e o facho e o canto
Já voa, as armas e o furor ministra
Mas, se um pio ancião preclaro assoma,
Calam, para escutar o ouvido afiam;
Ele os convence e os ânimos abranda

Virgílio, Eneida, 165. Trad. Manoel Odorico Mendes.

SOU UM MAU POETA

Quisesse eu ter
Todos os momentos
E comandar os destinos,
E possuir as riquezas,
E curar as doenças,
E iluminar os destinos,
E comandar a morte
Apenas para detê-la,
E sublimar o mal,
Mesmo os erros que há em mim.

Ainda sou capaz de amar,
Mesmo após longa solidão.
Ainda sou capaz do bem.
Ainda sou capaz de pedir a Deus
Que não feche as portas
De sua misericórdia - 
A qual jamais mereci.

Amor, não paixão,
Que todos a têm,
Inclusive os animais.

Amor, apenas escolhe
Quem dele é capaz.

29.10.15

PERDI O LIVRO


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Quando um homem se impõe a si mesmo, ele jamais obedece. A única imposição 100% eficiente é cósmica. O infinito e transcendente, fora das nossas possibilidades.

Assim, comecei a matutar, matutando. Como quem nada quer dizer, dizendo nada, como se houvesse ao Benedito dito muita coisa, como faz o Chico Buarque.

Porque há Chicos e Franciscos. Em alguns o pau dá. Em outros, não.

E se o cérebro hiberna, ele jamais para de dormir. Acaba virando diploma universitário.

Eu perdi o livro que ia ler. Corri atrás e descobri que ele estava atrás de mim.

Todos foram enganados e agora estão perdidos.

Os diplomas estão sendo distribuídos como o pão e o circo.

A verdade é solitária.

O pau não deu em Chico. Deu somente em Francisco.



4.10.15

Stiepan Trofímovitch




"Às vezes até um detalhe insignificante afeta a atenção de modo excepcional e duradouro. Todo o discurso principal sobre o senhor Stavróguin está por vir; mas agora observo, a título de curiosidade, que, de todas as impressões colhidas por ele em todo o tempo que passou em nossa cidade, a que ficou gravada com mais nitidez em sua memória foi a produzida pela figurinha sem graça e quase abjeta de um funcionariozinho de província, ciumento e déspota familiar grosseiro, avarento e usurário, que trancava à chave os restos de comida e os tocos de vela e ao mesmo tempo era um sectário zeloso sabe Deus de que futura "harmonia universal", que às noites se inebriava de êxtase diante dos quadros fantásticos do futuro falanstério em cuja realização imediata, na Rússia e na nossa província, ele acreditava como na própria existência. Isso no lugar em que ele mesmo juntara para comprar uma "casinha", onde se casara pela segunda vez e recebera um dinheirinho como dote pela mulher, onde talvez, num raio de cem verstas, não houvesse uma única pessoa, a começar por ele mesmo, que tivesse sequer a aparência física de um futuro membro da "república social universal de todos os homens e da harmonia"

Dostoiévski, Fiódor, Os demônios, Editora 34, p.p 61

24.9.15

SOBRE H. G. WELLS. OU PREGUIÇA


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Preguiça. Preguiça. Basta olhar. A humanidade está se dividindo entre Morlock e Eloi, como escreveu e desejou HG Wells. Aí então o viajante do tempo quer ser capitalista sendo socialista. Ele é um Eloi.

Diante de mim, que não faço filmes ou escrevo roteiros, e vivo apenas uma vida.

Tento pensar em amor e no Logos, e logo me dizem, isso é burguês.

Que aborrecido o mundo, em 2015. Este é o mundo desejado por Wells e Bertrand Russel?

Preguiça da metafísica praticada. Qualquer metafísica verdadeira é parida em um parto difícil, e geralmente o filho é feio. Nietzsche disse que a verdade era uma mulher?

Elois acomodados e Morlocks furiosos, é feito disso o mundo?

Não, o mundo é feito de idiotas autopiedosos. Que construirão Elois e Morlocks achando que são democráticos.

A dúvida? Não dá tempo. Quando desmoronarem as pedras da nossa estupidez, serão nossos bisnetos.

Espanto a preguiça, pensando no amor e no Logos.

Porque existem três coisas.

Gosto da mais importante.

1.9.15

A BRASA DO MEU CIGARRO



Era  um lugar que conhecia bem, mas nada daquilo lhe dizia respeito. Aquela rua que cortava aquele memorial de memórias opacas lembrava a imagem que tinha em sua cabeça, daquela mão enfiada no casaco, diante de Goethe, dizendo: "Eis aqui um homem!", antes de ser internada, a mão, juntamente com seu legítimo proprietário, no hospício de Santa Helena ou o que o valha.

O cigarro aceso entre os dedos rodava e rodava displicente até que a brasa queimava novamente o dedo onde já tinha queimado as cicatrizes das queimaduras anteriores e então ele olhava para a luz do poste e pensava em pessoas que haviam morrido, que jamais conheceria.

Já era um tempo em que simplesmente ignorar não fazia de si um ignorante da ignorância, muito além dos charlatães da verdade. Ele conhecia a ignorância, e a levava para todas as mesas de black jack que não frequentava.

"Não que não tenha vícios, mas escolho bem os meus", deve ter dito um sabido bem sábio.

As veias que sangravam na américa estúpida eram as veias da imbecilidade.

E aquele monte de concreto imbecil era uma passarela tão grande que o pequeno corpo incógnito de um ser quase inteligente quase teve uma iluminação sobre a idiotia.

Mas Shakespeare chegara antes.

Do outro lado da rua, a cinquenta metros, um cara viu seu cigarro aceso e tossiu.

"Idiota", pensou nosso Napoleão Niemeyer, e queimou mais uma vez o dedo queimado.

15.8.15

VELHO BLUES DE BRANCO

Onde as barbas embranquecem, os cabelos rareiam,
Onde a música envelhece e o malte semeia
A criança cresce, as roupas secam
A planta floresce, o sol sobe e desce

No rejunte do piso do meu quintal.
Nada mal.

E cada idiota que anda pelas ruas
Se acha o tal.

Onde as mulheres se vendem os homens se compram,
Nos laboratórios inovações que despontam,
E o homem idiota, uma caricatura
De si mesmo.

Vovô viu a uva,
Choveu a chuva.

E cada idiota que anda pelas ruas
Se acha o tal. (Nada mais normal)

Eu não uso samba-canção
Nem vivo numa ilusão.
Composto com emoção,
Involuntário numa nação

E depois desta canção
Nada mudou.

28.7.15

UMA CRIANÇA DE OITENTA

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- Nunca confie nas promessas de amizade de uma mulher que está entre seus braços - resmungou, enquanto despejava a caneca de água fervente sobre o coador de café.

Como sua mãe nunca esteve entre seus braços, sua palavra parecia confiável: "Você é muito velho para a sua idade!". As tias riam e ele, de cuecas, mas fez cocô nas calças, e o deixaram pelado. Ele se envergonhava e virava de costas. "Estou vendo duas melancias", diziam as mulheres sobre sua bundinha. Então ele se envergonhava mais, e em um um salto de cento e oitenta graus, virava de frente. "Estou vendo uma linguicinha", as mulheres riam. Teve uma idéia brilhante: ficar de lado. "Agora vocês não estão vendo nada!", triunfou. A resposta foi devastadora, para ele:

- Estou vendo duas melancias e uma linguicinha!

Não se lembra muito bem de quando bebeu pela primeira vez, mas provavelmente foi um gole de vinho que seu pai lhe deu nos anos oitenta; vinho "Sangue de Boi", pois os anos oitenta foram uns tempos muito engraçados. Tinha o "Casal Vinte", e eles tinham telefone no carro conversível. O telefone móvel fez muito sucesso, trinta anos depois, mas o carro conversível transformou-se em um anacronismo. O sangue de boi, volta e meia, vem à moda novamente.

Imediatamente, todos pensam em dinheiro, isso não mudou desde os anos oitenta. Ninguém pensa em quem manda fazer o dinheiro. O dinheiro é tão importante que a China continua comunista, mas virou capitalista. Isso não tem como dar certo.

Bom foram os estados unidos. Assim mesmo, em minúsculas.

Então ele ia para a Igreja Batista alegremente para jogar bola.

Ele voava como Superman, pilotava como Nelson Piquet e trabalhava como seu pai.

Uma Criança velha de cinco anos. Assim ele foi tratado e diagnosticado pelos amadores da psicologia, ou seja, por todos. Mas jamais recebeu um tratamento. Graças a Deus.

Assim, nos anos oitenta, espera-se ver como chegará aos oitenta

Não há um bom romance a ser escrito. A não ser que seja em russo.

23.7.15

AS UVAS ESTAVAM MADURO, OU O HUMORISTA.

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O verdadeiro humorista jamais achará graça enquanto riem dele.

Já repeti isso três vezes para aquela criatura.

Mas ela percebeu a garrafa de vinho que eu tentava disfarçar levando-a até a boca e sorvendo-lhe o conteúdo vinícola.

Vinícola, ´vi Nícolas! Maduro!'. As uvas estavam maduro.

Mas ela não se interessava por modernismos e antropofagismos e nem eu, na verdade, portanto eu ficava emburrado, porque tudo era ruim mesmo.

Isso não tem graça, mesmo, mas ela joga uma torta na minha cara e você ri e diz que eu levo muito a sério.

Bem, eu não estou ganhando nenhum dinheiro com isso, mas os socialistas que dizem que dinheiro é uma merda estão todos ricos, eu não quero virar socialista nem defender os explorados porque os explorados estão ricos e os trouxas trabalhando.

Esta é a minha homenagem aos malucos malucos que escrevem e não querem dizer nada, mas eu fui bem claro.

Agora, podem rir.

FREDERICO

Resultado de imagem para nietzsche"Os idealistas estão convencidos de que as causas a que servem são essencialmente melhores que as outras causas do mundo, e não querem acreditar que a sua causa necessita, para prosperar, exatamente do mesmo esterco malcheiroso que requerem todos os demais empreendimentos humanos."

Friedrich Wilhelm Nietzsche, Humano, demasiado humano, aforismo 490

19.7.15

APENAS UM HOMEM

Eu posso te querer,
Eu não posso querer o teu querer.
Eu posso achar ser eu um poeta
E não ser nada disso.
Ser pequeno, achando-me grande entre os pequenos.
Amar, amar, amar,
Como os pequenos amam, indignos.
Como os poetas acham que são poetas apenas para descobrirem
Que são apenas poetas que mal poetam.
E ver o cachorro urinando no poste.
Ninguém vai perceber
Mas essa preocupação não foi em vão.
Cachorros urinam em postes.
Homens, não.

9.7.15

SHAN GRILAR

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Premissa 1:

- Você precisa beber para criar coragem e dizer alguma verdade, seu bêbado.

Axioma:

- Você é apenas idiota. E nem bebe.

27.5.15

TRISTEZA


Chegou em casa, destrancou a porta, entrou, acendeu a luz.

Os quatro últimos anos saltaram da escuridão com um brilho dolorido dos objetos inermes que se ofereciam à sua vista lancinantes, mas era no ventre que as pontadas eram sentidas na forma de engulhos, de dor e sofrimento.

Eram objetos que doíam e culpavam e eram amados.

A pequena imagem de Nossa Senhora, em seu pedestal inscrito: "Sagrado Coração de Maria", e o rosário barato, mas não menos representativo da fé que em algum lugar colocava a esperança de que o amor daria sentido àquilo tudo.

Sob tais relíquias, as fotos que se queria abençoar mostravam rostos amados e sorridentes, um dos quais aquele, sobre o qual tantos objetos falavam com eloquência, desde o chuveiro recém-instalado até a velha que matava mosquitos na casa ao lado com sua raquete elétrica.

O vidro de perfume que ela lhe dera já algum tempo antes, praticamente cheio, permanecia sobre o armário de escritório, de ferro, que fazia as vezes de cômoda. Os travesseiros, os cobertores, a letra de mulher com receitas no caderno, as plantas e os dois pequenos roedores na gaiola que o tentavam consolar pedindo comida.

Aquele retrato da mulher que amou foi tirado em um dia no qual ainda eram felizes.

Não chorou. O gosto da vida que vivera e das desventuras do espírito prendeu-se na garganta e apenas conseguiu engasgar e entristecer. Não conseguia chorar.

Era ele a causa do mal.

Jamais saberia ser possível ou não, deixar por amor.

Em algum momento conseguiria chorar.

23.4.15

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Chegou em casa e trancou a porta. Deu duas voltas à chave, embora até um anão perneta pudesse arrombar aquela porta com um chute. Onde antes exclamava "filho da puta" agora pedia perdão a Deus, contrito.

Cantava hinos da igreja misturados a músicas do Led Zeppelin. Blasfêmias? Não. Santo Agostinho e Aristóteles eram mais antigos do que a igreja da esquina e do que o estádio de Wembley. Led Zeppelin não era nada perante o gramofone de Hans Castorp, V.G.

Culto e inculto, ao mesmo tempo.

Não tranquiliza, a convicção dos idiotas.

Eu sei que um ponto não é uma vírgula.

AVISO DESIMPORTANTE: ESTOU ESTUDANDO PARA MELHOR DESAGRADAR.

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Estou estudando para melhor desagradar. Conto com sua incompreensão. Grato.

25.2.15

RISO ABERTO


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Eu falava rápido, emanando indignação.

A mulher, apenas ria, abertamente.

Seu riso me fez calar. Entendi que ela não ria das razões que eu expunha, posto que eram senso comum entre a lógica, os fatos, a intuição e todas as premissas verdadeiras. Ela me compreendia, e ainda assim, ria.

Mas seu riso era tão gostoso que logo fez desmoronar não a minha convicção, mas a própria capacidade de expressar minha convicção.

Pus-me a rir com ela. Seu riso convidou-me e deitei em seu colo.

Senti falta dos dias frios e da lareira e do aconchego calmo e macio daquele colo de mulher madura.

O vento soprou pelo vão da janela e na verdade.

A mulher se havia retirado, e eu talvez conhecesse a guerra antes de sentir seu colo perfumado.