28.4.14

MILTON NEVES FILOSÓFICO: SEM MERCHANDISING E SEM BIGODE



"Aquele (o epicúreo)  anda, digamos assim, por caminhos sem vento, bem protegidos, penumbrosos, enquanto acima dele as copas das árvores bramem ao vento, denunciando-lhe a veemência com que o mundo lá fora se move. O cínico, por outro lado, vagueia nu na ventania, por assim dizer, e se endurece até perder a sensibilidade."

F.W. Nietzsche, Humano, demasiado Humano, Cia das Letras, aforismo 275.

LEI 6368, DE 25/06/1976: UMA HOMENAGEM




NO dia 25 de junho de 1976 havia um recém-nascido chorando.

Mas o recém-nascido, abandonados os direitos de nascituro, chorava por um motivo especial.

Como faria ele, que futuramente teria uma ligação especial com diversos tipos de fumígenos, para ser garoto-propaganda de uma causa?

Como este turbilhão de vetores, personagem obscuro do mundo dos indivíduos individuais, levantaria uma bandeira?

Melhor seria ter nascido em qualquer 24 de junho, apadrinhando fogos de artifício.

Ok. Em todos os ônibus de Kansas, havia uma plaquinha homenageando seu nascimento.

FUI PERGUNTADO SOBRE A POLÍTICA

Fui perguntado sobre a política.

Confesso nada entender sobre política, posto que não a vivi. O que cansei de viver foi a vista para idiotas chamando urubu de meu louro e tentando me convencer que o que há é o "mundo real".

Ora, ora, o mundo real...

E eles, os mundorealistas, se põem a traduzir o "mundoreal", a "vidareal", prontos a negarem a existência de bichos chifrudos que fedem a enxofre. Mas admitem a existência de outros bichos, ecológicos e generológicos, seja lá o que isso seja, e seu mundo real tem teorias de onde brotam ornitorrincos chifrudos, elfos, e horóscopos que predizem o futuro em folhas de jornal que prontamente, junto com a parte de política (do jornal) servem muito bem como folha de rosto coprófila do aparelho digestivo de meus pequenos micuinhos Romeu e Juliéte.

É verdade, não parei de fumar.

Não parei de rezar Ave-Maria e não parei de acreditar em milagre.

Parei no tempo. Graças a Deus.

O que se chama modernidade fede a enxofre. Prefiro o alcatrão.

Para ensinar política, eu cobro.

Um centavo a aula.




23.4.14

O GRANDE NINGUÉM - CONFISSÕES




Devo confessar.

Admito que não sei nada sobre aquilo que ignoro.

Ignoro por que percorro os cantos da pequena casa neste bosque da solidão, pena à mão, defrontando-me com imagens que poderia ignorar como o feliz porquinho da Circe.

Ignoro até por que não ignoro as coisas que não ignoro.

Devo confessar que as premissas com as quais produzo rios heraclitianos de estupidez são intuídas de solidão voluntária, que se pode facilmente voltar contra mim.

E se volta.

A solidão voluntária repentinamente se aparenta trágica, mas permaneço nela, pois que seu oposto, a companhia das multidões, dramática e patética, causa-me calafrios de horror.

Espanto!

E quando o sopro de senilidade e fraquejar demasiado humano me fazem desejar a companhia das multidões, a solidão me obriga, e já não possuo direitos. Mas aí já estou dramático e patético.

E falo e gesticulo com a parede branca, minha companheira.

É a verdade que ignora meus sentimentos.

Por acaso deveria eu ser louco e estúpido como Aquiles?

Posso ao menos ser comparado ao infeliz Ulisses?

Nasci em espanto, mas dele esqueci de me retirar.

O pulsar do relógio e de minhas veias me mandam apressar, mas não me apresso.

Eu sou o grande ninguém que caminha para lugar nenhum, e isso me angustia.

Então quero terços e na verdade na verdade vos digo.

E verdades não são quebra-cabeças de Deus; são tapas na cara.

Merecidos.

James Brown não sabia se era crente ou pederasta.

Sou crente. Apenas não em mim.

Que infelizmente não sou louco o suficiente para confiar no homem.

E tenho que acordar, e dormir, e comer, e amar e angustiar e pedir perdão.

Por não ser e por ser; até parece que isso é uma questão.

Como se fosse lícito, ou mesmo factível, retirar o silício do espírito.

Não, eu não quero me desfazer da culpa.

A culpa foi feita para homens da minha idade. Da minha constituição. Da minha época.

E se todos quiserem viver sem culpa, que não lancem suas culpas em mim, que não sou chapelaria de culpas!

Já me basta ser o Esteves sem metafísica, o heterônimo bastardo.

Desiderius Erasmo




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"Por tudo isso, nunca terei louvado bastante a Pitágoras por se ter transformado em galo. Esse filósofo, em virtude da metempsicose, passou por todos os estados: filósofo, homem, mulher, rei, confidente, peixe, cavalo, rã e creio até que esponja. E, depois de todas essas transformações, declarou que o homem era o mais infeliz de todos os animais, pois todos os outros estão satisfeitos de ficar nos limites prefixados pela natureza, enquanto só o homem se esforça por ultrapassa-los. Além disso, Pitágoras costumava antepor os tolos aos sábios e aos grandes. Tal era, também, a opinião de Grilo, um dos companheiros do sensato Ulisses, o qual, tendo sido transformado em porco pela bruxa Circe, preferia grunhir tranqüilo e à vontade num chiqueiro a andar na pista de novos perigos e novas aventuras com o seu general. Parece-me, também, que o próprio Homero, o célebre pai da mitologia, não diverge dessa opinião, pois que, em geral, considera miseráveis todos os mortais e diz que a morte os cerca por todas as partes. Nem mesmo Ulisses, o seu famoso herói e modelo de sabedoria, constitui para ele uma exceção, pois chega a lhe aplicar, várias vezes, o epíteto de infeliz. No entanto, não diz o mesmo de Paris, de Ájax e de Aquiles, que eram loucos."

Erasmo de Rotterdan, "Elogio da Loucura"

21.4.14

THE SMALL PICTURE OF BIG NOBODY



"Dorian Gray es un apuesto caballero inglés obsesionado con la idea de la eterna juventud. Guarda un retrato suyo en el desván, en el que se irán reflejando las huellas de su locura y del paso del tiempo; sin embargo, él no envejecerá. Esta adaptación a la gran pantalla del relato homónimo de Oscar Wilde, ganó el Oscar a la Mejor Fotografía al combinar con gran acierto el uso del branco y negro con el color: el retrato de Dorian Gray es la única nota de color que se ve a lo largo de toda la película.
En Inglaterra Victoriana, el aristócrata vano el Gris Dorio (Hurd Hatfield) se pone en aumento hedonista y corrupto. Cuando su retrato se pinta, las hechuras Grises una ganga fausta: El cuadro envejecerá mientras él se queda joven y guapo - un pacto malo que en el futuro lleva para asesinar. Este drama clásico basado en una novela por Oscar Wilde ganó a un Oscar para la Cinematografía más Buena, y Angela Lansbury tomó casa un Globo Dorado para su papel come el Gris ha dado calabazas". (THE PICTURE OF DORIAN GRAY - 1945 - EUA - DIR. ALBERT LEWIN).

AH, O REVOLVER QUE BALANÇA EM MEU COLDRE



Não vos quero persuadir da verdade das minhas palavras. Sequer da sua veracidade. Tampouco da sua dignidade. Dignos são os que concluem sobre as coisas deste mundo, após vidas de reflexão.

Os que facilmente concluem, esses são as massas de Ortega Y Gasset, as massas de tomate, as massas de pizza.

Os italianos são brancos porque comem muito queijo. Eu sou moreno, porque como muito feijão carioca, que é plantado em São Paulo.

Mas os sábios de rápidas conclusões logo admitirão, ante a confusão das palavras, a impossibilidade de algo concluir acerca da verdade.

Admito, são muitas palavras. Sobre a verdade, ouvi falar que é mulher (Nietzsche). A loucura, mulher em Erasmo. Seduções...

Ao contrário do que podeis imaginar, considero-me mais um cego em uma terra de cegos, o que com copiosa boa vontade pode me assemelhar a um sócrates andrajoso. Um sócrates, assim, minúsculo.

Entendereis, ao olhar o mundo em volta.

Ao contrário do Dorian Gray de Lewin, não combino com acerto o uso do branco-e-preto com o colorido. Meu retrato não envelhece, sou eu que envelheço, sem technicolor. Se eu conhecesse a ordem, entenderia a ordem.

Sentei-me à mesa de um bar, com Deus, e bebi cachaça. Lá, permaneci por horas ouvindo-o falar em ordem; encantei-me com a ordem e com a fala. Junto ao balcão do bar, alguém lamentou: "Ah, o revolver que balança em meu coldre..." Ninguém ouviu. Eu ouvi. Deus ouviu.

O revólver que balançava atirou contra a legítima defesa do nada, que morreu, mas Deus nunca morre, e se riu dessa situação, um riso obviamente fátuo, já que ele é Deus.

E hermeneutas interpretarão em extensas exegeses esse fato mal narrado, e os idiotas estarão sempre tentando imitar a arte, suicidando o nada.

Não sou realista, tampouco fantástico, sequer utópico. Brindando à páscoa, o reino que não é deste mundo. Uma coisa é certa: amanhã estaremos todos um dia mais velhos. Vivos e mortos.

16.4.14

PEQUENA ESPECULAÇÃO DO GRANDE NADA SOBRE OS ÊRROS DE DiAGRAMAÇÃO

Aos amigos, conhecidos e desconhecidos do pequeno Jack Keslarek: este blog não possui revisor, e seu autor é sujeito a tripla jornada. Se Keslarek fosse Proust, estaria em busca do tempo perdido. Se fosse Joyce, escreveria Ulisses (se Homero, Odisséia e Ilíada). Vive cruzando o Trópico de Capricórnio, mas não é Henry Miller. Agradeço a todos. E peço desculpas à incuta e bela. Ass. O editor.

15.4.14

OS ANIMAIS, ELES SÃO METAFÍSICOS


Os animais, eles são metafísicos.

Não, não estamos nos tornando, aqui, ambientalistas. Não o somos (o eu profundo, os outros eus, e os animais aqui presentes).

Se eu tiver fome, terei que comê-los. A diferença entre eles e eu é a dúvida. Eu as tenho, já eles me comeriam sem pestanejar.
 
O que me leva a pensar nisso são meus novos hóspedes, micuinho e micuinha.

Ah, eles são um casal de chinchilas, um casal medieval de chinchilas, fadados a um amor impossível, se não fugirem das gaiolas, e dos quais passei a ser carcereiro e mantenedor.

Porém, como em todos os contos de fada, este tem uma princesa, que fala com os animais e é encantada.

Se meus chinchilas se candidatarem, eu voto neles.

São pródigos em nada prometer.

Se ganharem a eleição, rolarei no pó de mármore.

9.4.14

O GRANDE NADA ENVIA SMS À SUA AMADA

"Amor: Um dia você vai ouvir um estranho falar sobre o Grande Nada, e vai lembrar de mim. Eu o inventei em 2003. Mas parece que está aí há mais tempo. Bjs. Grande Nada. "

O GRANDE NADA DO ALTO DE SUA INDIGÊNCIA MENTAL

Oh, potestades olímpicas e tectônicas, oceânicos baluartes;

Eis aqui uma denúncia da minha indignidade: sou, pois, um idiota, e vou explicar-vos por quê:

"Honorate l'altissimo poeta" não posso, posto que sou parvo. Contento-me em honrar tantos honestos retardados, quanto os haja.

Ignoro, pois, aquilo tudo que se chama "cultura", como antiquário da mente, que trato apenas de utilizar em forma de ornamento supérfluo. Não sou coisa ultrapassada, sou hodierno, vazio, estúpido e representativo de meus contemporâneos. Sou o Grande Ninguém, que caminha para lugar nenhum.

Avançado pois, sou eu, não velharia. Sou o futuro, não o passado. Não colhi nada em lugar nenhum e em todos os lugares colho o nada; por isso sou ótimo e mereço o respeito de meus convivas nessa festa infantil que é a vida nesta belíssima pós-modernidade.

Assim, como em tantos lugares, do nada se faz arte, aqui, do meu lugar, faço da arte o nada. Mas faço isso de forma otimista, porque me sinto bem sendo otimista, então fica provado que o otimismo é a verdade.

Tenho meu lugar na política, onde posso sempre inventar um futuro que não existe, na cultura, pois nela sou melhor, adiantando que o que não conheço não existe, então só posso ser melhor, posto que para mim não existe nada. Repito ideias vazias, conforme as ouvi alhures, como se fossem minhas (quanto mais vazias mais avançadas as ideias), e pela mera repetição elas se transfiguram em verdades (isso está provado). Já, com relação às verdades que ouço, eu as repílo, posto que delas advém o pessimismo, coisa da qual tenho horror...

Sou a mente coletiva, porque me abomina a idéia da solidão. Todo o saber me dói, portanto nada sei, nem procuro saber.

Sou a mente confusa, pois sou eu e o meu contrário, mas nunca pensei nisso, e o sou naturalmente.

Estou gordo e bem alimentado, sadio como diria um grande artista, amigo meu (sou amigo de todos os grandes artistas). Tenho um futuro pela frente e não penso na morte, porque não pensar na morte tem o efeito de idiotizar-me, e sendo idiota, transformo-me em gênio, por isso faço tanto sucesso entre meus contemporâneos, e posso esperar um futuro glorioso, quiçá eterno.

Agradeço a tantas pessoas cultas (cultas, mas modernas) que me ajudam a ser um gênio. Fazendo tudo igual a todos, contesto a ignomínia geral.

Espero agora uma ajudinha do governo.

7.4.14

O GRANDE NADA QUER UMA BELA BECA

E o que tenho agora?

Livros espalhados pelas prateleiras e compactados em pen-drives.

Meto-me a enfiá-los sob o braço, livros, readers e pen-drives.

Quase todos escritos por mortos, editados por mortos, indicados por mortos que parecem compreender o hoje mais do que os que o vivem.

Por quê os mortos seriam melhores conselheiros?

Talvez porque seus interesses neste mundo tenham se esgotado...Sua eloquência e sua experiência superam as demais, fazendo-os póstumos.

Suas verdades inermes esperam um sopro sobre a poeira, abrindo universos de realidades verossímeis.

Mas o espírito, ah, este precisa ser buscado com laço, pois sem o espírito não passarão de papéis empoeirados e brinquedos tecnológicos.

O espírito, nem os melhores criadores poderão produzir máquinas de criptogramas para decodificá-lo.

Conhece-se, primeiro, a solidão. A máquina de decodificar espíritos.

Apenas sobreviver parece um jogo de azar.

Agora que é um bom espião, o Granda Nada quer uma bonita beca. Que lhe sirva de mortalha.

TENEBROSO-CAVERNOSO, O ALEXANDRINO ECLÉTICO, "MYSTERIUM FASCINOSUM ET TREMENDUM"

EMINÊNCIA PARDA



"Analisando assim secamente, o Turcíada parece de um absurdo quase raro. Aplique-se porém o mesmo processo ao Paraíso Perdido, desconte-se o estilo, arranquem-se os ornamentos, reduza-se o poema a seu assunto nu, e ter-se-á algo só um pouco abaixo do absurdo. Assembléias de anjos, discussões teológicas entre a Primeira e a Segunda Pessoa da Trindade, batalhas angélicas completam-se com estratégia tridimensional, artilharia infernal e o equivalente divino do tanque. Seria tudo mera questão de convenção literária, de uma imitação consciente da maquinação poética de outras eras? Seriam essas narrações insolitamente materialísticas sobre a vida no céu consideradas por seus autores como de um fantástico tão cabal quanto aquela fábula poética do jovem príncipe Syphilis que Fracastoro escrevera cem anos antes? Seria confortante acreditar nisso; mas desconfio que não encontramos justificativa para assim pensar. É provável que, de uma inefável maneira pickwiquiana, o Paraíso Perdido, o Turcíada e a Apoteose de Carlos V tenham sido concebidos por Ticiano, Frei José e Milton como algo mais que pura fantasia. No caso de Ticiano e de Milton tal era bastante compreensível; eram ambos, a seu modo, homens de religião esotérica. Não porém Frei José. Não há dúvida de que tivera um contato direto e imediato com a realidade suprema. Em sua Introdução à Vida Espiritual, descrevera a união da alma com Deus. Poucos anos depois, e evidentemente sem nenhum senso de incongruência, estaria escrevendo o Turcídada e escrevendo-o na convicção de que, assim fazendo, estava servindo, e de certo modo dizendo a verdade, ao Deus a quem vislumbrara num ato de contemplação. O fato óbvio é que seres humanos não encontram dificuldade em agasalhar, sucessiva ou simultaneamente, convicções entre si incompatíveis. Com efeito, tal contradição é a condição normal e natural do homem. E autoriza nosso livro a ter diferentes opiniões em diferentes momentos. Tendo, portanto, opiniões assim, ainda que não existam meios de reconciliá-las. A coerência perfeita só advém com a retidão perfeita, com a perfeita absorção da realidade suprema."

Aldous Huxley,  "Eminência Parda", p. 148, Editôra Saga, Rio de Janeiro - GB / 1967