23.4.14

O GRANDE NINGUÉM - CONFISSÕES




Devo confessar.

Admito que não sei nada sobre aquilo que ignoro.

Ignoro por que percorro os cantos da pequena casa neste bosque da solidão, pena à mão, defrontando-me com imagens que poderia ignorar como o feliz porquinho da Circe.

Ignoro até por que não ignoro as coisas que não ignoro.

Devo confessar que as premissas com as quais produzo rios heraclitianos de estupidez são intuídas de solidão voluntária, que se pode facilmente voltar contra mim.

E se volta.

A solidão voluntária repentinamente se aparenta trágica, mas permaneço nela, pois que seu oposto, a companhia das multidões, dramática e patética, causa-me calafrios de horror.

Espanto!

E quando o sopro de senilidade e fraquejar demasiado humano me fazem desejar a companhia das multidões, a solidão me obriga, e já não possuo direitos. Mas aí já estou dramático e patético.

E falo e gesticulo com a parede branca, minha companheira.

É a verdade que ignora meus sentimentos.

Por acaso deveria eu ser louco e estúpido como Aquiles?

Posso ao menos ser comparado ao infeliz Ulisses?

Nasci em espanto, mas dele esqueci de me retirar.

O pulsar do relógio e de minhas veias me mandam apressar, mas não me apresso.

Eu sou o grande ninguém que caminha para lugar nenhum, e isso me angustia.

Então quero terços e na verdade na verdade vos digo.

E verdades não são quebra-cabeças de Deus; são tapas na cara.

Merecidos.

James Brown não sabia se era crente ou pederasta.

Sou crente. Apenas não em mim.

Que infelizmente não sou louco o suficiente para confiar no homem.

E tenho que acordar, e dormir, e comer, e amar e angustiar e pedir perdão.

Por não ser e por ser; até parece que isso é uma questão.

Como se fosse lícito, ou mesmo factível, retirar o silício do espírito.

Não, eu não quero me desfazer da culpa.

A culpa foi feita para homens da minha idade. Da minha constituição. Da minha época.

E se todos quiserem viver sem culpa, que não lancem suas culpas em mim, que não sou chapelaria de culpas!

Já me basta ser o Esteves sem metafísica, o heterônimo bastardo.

Um comentário:

Erasmo de rollerman disse...

Keslarek é maluco!